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Crônicas de um quarto azul
"Of course... he can live with the chaos"
Sem mas.
30 de maio de 2015
13 de julho de 2014
Azul
Ele acordou, não quis se levantar.
A cabeça doía e o corpo também, tinha na boca um gosto ruim, o hálito cheirava
a bicho morto. Poucas lembranças da noite anterior. Algumas horas, ou minutos,
olhando o teto e finalmente se levantou. O tempo é sempre relativo durante uma boa ressaca. Caminhou até a cozinha e abriu a
geladeira, tão vazia quanto seu estomago. Tomou dois dedos de vodca, fumou um
cigarro, chutou as roupas vomitadas para o lado e ligou a vitrola.
Achava os discos mais humanos.
Aquele chiado antes da música começar lembrava peixes fritando. Dava uma
sensação gostosa de ansiedade. Isso sem comentar que Blue da Joni dava um tom
especial para aquela tarde.
Não é questão de ter evoluído, é que o som vinha melhor de lá, parece mais pessoal. Faltava pouco para
escurecer, mas mesmo aquela pouca claridade do crepúsculo incomodava seus olhos,
tão vermelhos quanto os dos coelhos no petshop da esquina.
Olhou a carteira e percebeu que
ainda restavam alguns trocados, precisava comer. Mas também precisava de vida e
um pouco de paixão. O bom de Joni Mitchell é que não dá para dedicar a música a
ninguém, pelo menos não sem estar apaixonado por, pelo menos, quinze anos. É o tipo de artista que se aproveita tudo, principalmente a voz. Aos
poucos o sol sumia por entre as construções, nessa cidade é legal morar acima
do terceiro andar, a visão será sempre privilegiada.
O vento do inverno batia em seu
peito, arrepiava a coluna, a vodca trabalhava esfriando o interior. Aquecia
apenas o necessário. Tem dias que o silencio é simplesmente ensurdecedor.
Pensava
no almoço de amanhã, no trabalho de sexta, na gorjeta da semana passada, na
cerveja de terça, na cigana que lia mãos na praça, nos pássaros que pareciam
sem rumo, no sol que voltaria cedo no dia seguinte. Evitava pensar no amor e na
própria vida.
Queria
estar longe.
Mas
principalmente, longe de si. O ódio próprio é um ótimo combustível para aqueles
sem motivação. Mais uma dose de vodca, o lado B do vinil, mais um pouco de
chiado para abafar o som do pensamento.
Mais
duas doses e estará apagado na cama, por entre lençóis e cobertores. Só. Como
há meses tem acontecido.
7 de julho de 2014
Desmoronar
Por
entre destroços, sejam do meu coração ou da construção.
Por
entre quedas, hora da Bovespa hora do meu humor.
Por
entre cidades não tão maravilhosas e ônibus apertados.
Por
entre shows legais e pessoas distantes.
Por
entre cinegrafistas baleados e alunos reprimidos.
Eu
continuo vivo.
Ouvi
aquela velha canção que dizia: “Apenas o amor pode quebrar seu coração”
Estou
envelhecendo.
Tive
amigos que não mais vi.
E
amores que não vivi.
Por
vezes enxerguei o mundo desabando, como aquele viaduto.
Quantos
dias se passaram sem que eu sentisse minha espinha sendo estraçalhada por
opiniões que não pedi?
E
por quantos dias mais terei que sentir a mesma coisa?
Por
vezes me defendi para que não quebrassem meu espírito.
A
alma pede clemência.
Mesmo
assim, continuo vivo.
Pensei
ter o coração de ouro, mas por entre todas as mudanças e as minhas entranhas
não vejo nada além de um pouco de alumínio.
Sinto
meu sangue se engrossar aos poucos, como se estivesse se transformando em
veneno.
Inunda
meus olhos, meu peito, minha vida.
Não
sou mais tão jovem.
Tenho
parentes que nunca mais vi e alguns que nunca mais quero ver.
Por
inocência, ou escolha, sigo vivo e acreditando que apenas o amor pode quebrar
meu coração.
Exatamente
como dizem naquele velho folk.
29 de junho de 2014
Céu, sol, sul.
Meu avô
costumava trabalhar como operador de sondas em uma mineradora no interior de
Goiás. Durante boa parte da infância eu, que era seu vizinho, esperava sua chegada.
Por volta das cinco e meia da tarde, ele descia da Kombi branca encardida, com
sua garrafa térmica de café e outra de água embaixo dos braços, um cigarro
pendurado na boca e as botas cheias de terra. Passava por mim, colocava o
cigarro entre os dentes e esboçava um sorriso.
Era engraçado.
Dos netos sempre fui o que menos recebia ofensas, chineladas e palavrões. É que
na verdade eu nunca os recebia. Isso era privilégio dos outros. Comigo a coisa
era diferente. Nossa relação se baseava em chá mate aos domingos de manhã,
chimarrão nas calçadas durante os sábados de inverno, piadas sujas e lições
sobre como preparar um bom churrasco ao som de Borghetti.
Ao
contrário da minha vó, ele perdeu cedo o sotaque gaúcho. Só não perdeu os
costumes. Apesar de não ter metade do indicador, amolava facas como ninguém,
ainda hoje não achei alguém tão bom quanto ele no violão e é certo que a voz
grave, rouca por conta dos cigarros, ajudava a dar um tom interessante aos
boleros que saíam daquele velho instrumento. Nada vence a supremacia do tempo
que não perdoa ninguém, muito menos aqueles que vivem para o prazer. Meu avô
era um desses homens.
Contam
em histórias, que ele era boa praça, fazia piadas e gostava de uma farra como
poucos. Era do tipo mulherengo. Sempre foi alto, o trabalho ao sol lhe
rendeu uma cor morena e os cabelos negros destacavam bem o rosto. Meu avô era o
tipo de homem que desprendia pelo menos um olhar das moças por aí. Ele se
aproveitava disso.
Sempre
me pareceu uma pessoa feliz.
A
aposentadoria foi sua ruína, o pobre coitado passava os dias em frente à TV,
com os olhos fixos, sem vida, em algum filme ruim, um programa sertanejo,
eventualmente algum jogo da série B. Saía do sofá apenas para me buscar nas
aulas extras que fazia, isso se fosse extremamente necessário. Acho que ele só chegou a ver uma das minhas competições
no Tae Kwon Do, confesso que eu ria da maneira como ele contava que me viu
batendo em alguém. Eu somava pouco mais de dez anos e presenciei o início do
fim.
Descobriu-se,
agora não me lembro como, que ele desenvolveu uma doença degenerativa nos rins,
aposto minha coleção de vinil que a vida desregrada é a culpada. A idade impedia
de fazer o transplante, hemodiálise seria vital. Ele fez. Com o passar dos anos
definhava, como um boxeador que escolhe perder, mas sem abandonar a luta. O
velho agia como se merecesse a punição que estava recebendo de uma força
superior.
Se instalou em uma tristeza deprimente.
A família,
é claro, se desesperou. Era como uma histeria coletiva. Todos em prol de uma
causa perdida. Ele mesmo já havia abandonado a luta, inclusive se ainda está nela
é por conta dos familiares. Os remédios
da hemodiálise, a má alimentação e a falta de atividade física fizeram com que
também desenvolvesse uma doença degenerativa no cérebro, além de atrofiar os
músculos.
Hoje
ele é incapaz de dar quatro passos sem cair, mas ainda fica com o olhar fixo na
TV. Eu já não sou seu vizinho, há anos que me mudei, culpa de algumas escolhas
que ainda não decidi se boas ou ruins. Minha ausência fez com que ele me esquecesse.
Pelo menos das ultimas seis vezes que nos encontramos ele me reconheceu em
apenas uma. É um pouco triste, mas no final das contas não seremos todos
esquecidos?
Desta
última vez, quando estive lá, ele brigava com o fisioterapeuta. Não queria
fazer os exercícios. Acabada a sessão, eu o coloquei na cadeira de rodas, levei
até o banheiro e depois das formalidades fisiológicas devidamente executadas e
limpas, sentamos na sala e ficamos a conversar. Ele, com muita dificuldade,
divagava sobre tudo e eu, em resposta, disse que compraria uma arma de água e
encheria de molho de pimenta, seria a maneira dele se proteger de chatos e
médicos irritantes. Após uma breve gargalhada interrompida por uma tosse seca,
ele me disse, com dificuldade, segurando uma das minhas mãos: “Seremos dois contra o mundo” e riu
de novo.
Consigo
entender toda essa angustia afinal, você ficaria tranquilo se a cada dois meses
um amigo de hemodiálise morresse ao seu lado?
Hoje o
violão que era dele me acompanha nas madrugadas insones, a mania do cigarro pendurado
me ajuda sobreviver aos amores mal resolvidos, ainda faço churrasco como ele e
mesmo que não o tenha esquecido, nunca concordei tanto com essas palavras.
Pois é, grande homem, seremos sempre dois contra o mundo.
1 de junho de 2014
À sua memória
É verdade quando dizem que nunca esqueceremos nossa primeira. Há semanas que não pensava nela. Nesse domingo, por ironia do acaso, acabei esbarrando em algumas fotos nossas. Não tínhamos muitas e que eu me lembre só existem duas.
Sabe, ela foi minha primeira mulher.
Apareceu
alguns dias antes do meu aniversário de vinte anos. Por mais que a barba por fazer e as noites mal dormidas me dessem uma aparência mais velha, eu era apenas um garoto. Um
menino que escrevia palavrões em cada conto para amenizar a raiva e acreditava
que destruir era mais importante que construir. Moleque que só pensava em foder
garotas, escrever, encher a cara e morrer cedo – live fast die young – afirmo que ninguém pode me julgar por isso.
Engraçado
que, daqueles anos, me restaram poucas lembranças. Ela ainda está latente em
minha mente. Foi uma noite estranha. Uísque vagabundo, coisas demais na cabeça,
mentiras demais na boca.
Nunca
cheguei a dizer, mas quando entrei no bar, aquela noite, percebi sua presença
quase de imediato. Claro que uma mulher desse tipo jamais passa batido. Grandes olhos bem desenhados, o rosto de uma simetria única, cabelos
escuros e a voz aveludada que com o restante do sotaque gaúcho acariciava
meus ouvidos a cada nova palavra...
Olha...
Ela é uma mulher de classe. Garanto que sempre foi. Verdadeira mademoiselle com
o sorriso capaz de fazer qualquer pessoa consciente perder o juízo. Completamente
opostos. Ela já estava com a vida pronta no alto dos seus trinta e poucos anos,
enquanto eu ainda me virava com bicos nos finais de semana e bebia vinhos de
cinco reais para burlar a cruel realidade.
Na
época, estava prestes a terminar meu primeiro livro. Acreditava que seria uma
obra prima, era uma merda. Depois dela o reescrevi sete vezes e ainda hoje continua
um belo pedaço de merda.
Por algum motivo que nunca cheguei a compreender direito, ela se interessou por mim e estava com feridas recém abertas, um desses relacionamentos intermináveis que eventualmente acabam e
deixam marcas. Não sei ao certo como funcionam. O máximo que já me mantive com
alguém foram seis meses, imagino que quanto maior o tempo pior a dor.
Ela me
olhou, puxou assunto. Me usou para afastar um desses idiotas que acreditam no
poder máximo do dinheiro, segundo ela, ele não valia tanto a pena assim. Era
bom demais para ser verdade. Isso não acontece comigo.
Disse
alguma coisa, ela respondeu, saímos e que eu me lembre, queria passar alguns
meses naquela conversa. Que gargalhada gostosa. O cheiro do cabelo era bom,
cheirava como um lar.
Nos beijamos.
Quando
uma mulher maravilhosa, como essa, é gentil o suficiente para te beijar, você
tem que beijá-la de volta. Quem sabe onde um beijo pode te levar? Aquele nos
levou a outros mais quentes, carinhos contidos, carícias explicitas.
Queria
poder pagar, de alguma forma, a meia calça que, sem querer, acabei rasgando. Naquela
noite eu mal tinha o dinheiro do taxi. Não que hoje seja diferente, eu ainda
sou apenas um rapaz latino americano, vindo do interior, sem dinheiro no banco
e sem parentes importantes.
Ela se
foi.
Como
todas as garotas que estiveram presentes em minha vida antes e depois dela. Queria
ter tido coragem de ter enviado o que escrevi, de ter pedido para ficar mais
quando finalmente voltou alguns meses depois. Até a pele dela pedia um toque
diferente, era incrível.
É só
que, vejam bem, o que uma mulher dessas faria com um escritor fadado ao
fracasso como eu? Sei que todos amam uma boa causa perdida, mas ela tem um
futuro tranquilo, quanto a mim? A única coisa calma em minha vida foi Palomita,
uma gata de estimação que morreu ao atingir os seis meses de idade.
Só
tenho a agradecer essa breve aparição, afinal, se não fosse ela, só
o bom Jeová saberia me informar quando de fato conheceria uma mulher de
verdade. Não que ache ruim as garotas com quem me envolvo. Elas são
maravilhosas, só não possuem, ainda, a personalidade marcante de uma mulher,
aquela sutileza nas pequenas imperfeições que aparecem de maneira charmosa, o
riso gostoso que te faz querer ficar na conversa por anos, o cheiro bom que vem
do cabelo, do tipo que te faz querer ter um lar.
Não que seja um problema, porém, algumas garotas, às vezes,
aparentam estar mais perdidas do que eu. Sem sombra de dúvidas ela será minha melhor lembrança daquele ano.
25 de maio de 2014
Não é ilusão
1.
Mutualismo: Duas espécies são beneficiadas e
podem viver independentemente ou trocar de parceiro.
É quando dois indivíduos encontram- se
e se reconhecem quase que de imediato. É obvio que ambos poderiam viver
tranquilamente longe um do outro, mas escolhem não o fazer.
Vão correr um ao lado do outro. Apesar
de todo medo, de toda bagagem, apesar de todos os traumas e paranoias, manias
irritantes e saudades absurdas.
Não
é parasitismo.
Mutualismo não é ilusão, não é como se
falássemos de amor e fadas. Ela acaba sendo o combustível dele e ele a salvação
dela. Quando dizem sim, mesmo que sejam de espécies diferentes, os dois seguem
e saram toda dor um do outro.
Ela é desse tipo que aparenta ser
patrocinada por todas essas marcas caras, Apple, Carolina Herrera, Chanel e até
mesmo a armação dos óculos parece ter saído de um catálogo de moda. Ele ainda tem a mesma jaqueta de couro a pouco mais de cinco anos e umas duas
calças jeans, que costumavam ser azul, a coisa mais cara que possui é um uísque
importado, presente de aniversário de uma amiga desavisada. Mesmo tão opostos,
se reconheceram dispostos a preencher o vazio um do outro.
Essa é a graça do mutualismo. Ele foi,
durante muito tempo, como aquele enfeite no quarto dela enquanto ela não passava de um sonho bom, até que resolveram viver
lado a lado. Já estiveram separados, porém os benefícios de quando estão juntos é
algo que não se pode abrir mão com tanta facilidade assim.
18 de maio de 2014
Não devia, mas fiz mesmo assim.
Eu deveria ter ficado em Catalão.
Nunca devia ter saído da psicologia, se bem que não devia nem ter começado o
curso. Podia ter feito medicina ou alguma engenharia, pena eu não ser arrogante
o suficiente.
Deveria ter apostado no seguro,
ficado naquela cidade lenta, mesmo que eu me sentisse tão depressa.
Não devia ter me deixado por aí.
Você nunca teria me encontrado, se eu tivesse ficado quieto na minha. Pode
parecer que eu não me importo, e às vezes não me importo mesmo. Inclusive tem
dias que eu não quero saber de me achar. Nunca teria dado certo na engenharia.
Eu não
devia ter aberto minha vida para aquela ex. Não devia ter deixado que visse a
bagunça. Ela entrou, pegou o que queria e foi embora. Não me achou em meio aos destroços, cobertores e filmes. Deve ter ficado com medo das fotos e garrafas vazias
espalhadas por aqui.
Já passou por algo assim?
Eu não
devia deixar outra pessoa entrar, mas estou fazendo mesmo assim. Talvez ela seja
mais uma que não vai me encontrar por aí, pode ser que seja do mesmo tipo da
outra. É que eu apenas vejo tanta vida pela frente, tanto para tirar do papel.
Eu não deveria te procurar no fim
do dia, contar histórias que não conto para ninguém e que você não quer ouvir.
Escrever coisas que você nunca vai ler.
Eu
devia me proteger mais.
Juro
que estou repensando se devia me deixar por aí, esperando um dia em que
a vida vai deixar os contratempos para depois e você, estando só, vai acabar por me
encontrar de novo.
Pena você desatar todos os nós
que insisto em criar.
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